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segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Positivismo, neopositivismo, nacional-positivismo.

 

Positivismo, neopositivismo, nacional-positivismo.

Positivism, neopositivism, national-positivism.


Resumo: O positivismo experimentou variações e espécies e chegou a ser fundamento jusfilosófico para a implantação de regimes nazistas e fascistas, mas, no entanto, sua tergiversação não justifica seu demérito. E, o neopositivismo vem, na contemporaneidade, recuperar a validade e eficácia do direito, especialmente, no Estado Democrático de Direito. Foi a doutrina alemã do pós-guerra que responsabilizou a teoria de Kelsen pela submissão absoluta dos juristas aos ditames normativos do nazismo e do fascismo alegando que a suposta tese kelseniana de que” a lei é lei” e, como tal, deve ser acatada e aplicada pelos operadores do direito, deixando os juristas alemães indefesos diante de aberrações jurídicas cometidas pelo nacional-socialismo.

Palavras-chave: Teoria Geral do Direito. Filosofia do Direito. Positivismo. Neopositivismo. Pós-positivismo. Nacional-positivismo.

Abstract: Positivism experienced variations and species and became a philosophical foundation for the implementation of Nazi and fascist regimes, but, however, its tergiversation does not justify its demerit. And, neopositivism comes, in contemporary times, to recover the validity and effectiveness of law, especially in the Democratic State of Law. It was post-war German doctrine that held Kelsen's theory responsible for the absolute submission of jurists to the normative dictates of Nazism and fascism, claiming that the supposed Kelsenian thesis that “the law is law” and, as such, must be accepted and applied by legal operators, leaving German jurists defenseless in the face of legal aberrations committed by National Socialism.

Keywords: General Theory of Law. Philosophy of law. Positivism. Neopositivism. Post-positivism. National positivism.

 

O nacional-positivismo[1] é movimento político que se resume em ser nacionalista nas palavras e positivista nas atitudes. O relativismo axiológico vem apaziguar os problemas epistemológicos causados pela rejeição ao postulado de neutralidade. Todavia, o direito positivo deve submeter sua validade a algum valor, ao valor do justo, que enfim, será definida pela autoridade judicial no momento da decisão que institui a norma individual, não pela autoridade parlamentar, mas no caso concreto.

Ao contrário da autoridade parlamentar, o juiz não é eleito pelos destinatários das normas jurídicas[2], e tampouco o desenrolar do processo que culmina em sua decisão é permeado pela transparência e pela supervisão externa que em regra caracterizam o procedimento verificado no parlamento.

 Deste modo, e em conclusão, não há dúvida de que tanto em uma democracia quanto em um regime autocrático ele pode questionar a pertinência da aplicação da norma geral, em princípio estabelecida pelo legislador ou pelo tirano para ser “concretizada” por intermédio de sua decisão.

Ocorre que, se a opção for pela insurgência, ou seja, se o juiz preferir ignorar os termos expressos na norma geral, é justamente no articulado apresentado pelo positivismo jurídico que ele poderá sustentar teoricamente sua atitude, é lá que ele poderá encontrar o aparato técnico capaz de fornecer explicação conceitual à sua escolha.

O pós-positivismo, ao atribuir normatividade aos princípios e defender a reinserção de valores morais no âmbito do direito, serviu de base jusfilosófica para o neoconstitucionalismo. Capaz de influenciar o neopositivismo liderado por Dworkin e Alexy.

Sobre a colaboração do positivismo jurídico no que se refere o surgimento de regimes autoritários no fim do século XIX até metade do século XX, especialmente no que tange ao desenvolvimento do regime Nacional-Socialista Alemão. Para isso se faz um breve apanhado da forma de organização do Estado Nacional-Social, bem como a sua forma de organização jurídica que foi estabelecida neste período, traz-se posteriormente o positivismo jurídico e as escolas antissistemáticas surgidas no período.

Analisando-se a tendência antidemocrática do positivismo normativo que fora acusado de ser a teoria jurídica que permitiu e favoreceu a consolidação do regime nacional-socialista alemão, especialmente, no que se refere às atrocidades cometidas fartamente durante a Segunda Grande Guerra Mundial.

Deve-se considerar os acontecimentos históricos e políticos que amalgamaram a formação do regime nacional socialista, seus fundamentos políticos e, principalmente, sua forma de organização jurídica, bem como os argumentos que fundamentaram a acusação de sua culpa quanto às atrocidades retromencionadas. O objeto desse modesto texto é de crucial importância tanto para a teoria do direito como para a prática jurídica, pois o positivismo jurídico é prevalente em todo mundo jurídico e seus tentáculos e influências se disseminam em toda ordem jurídica.

Nos derradeiros anos, muitas acusações lançadas contra o positivismo resultaram em propostas de modificações na forma de se pensar o direito, sobretudo, na forma avalorativa de se conceber o direito tanto como ciência como técnica.

 

O questionamento sobre se a teoria do positivismo jurídico é antidemocrática e teria sido instrumento jurídico que viabilizou o autoritarismo do regime nacional socialistas e sua atuação desastrosa?

Após, a Segunda Grande Guerra Mundial, o Direito experimentou um conjunto de modificações e adaptações em relação ao seu conteúdo e sua paliação, isso também, em razão da indignação diante tantas atrocidades cometidas durante os regimes antidemocráticos que surgiram ao final do século XIX.

Ao analisarmos os motivos históricos, filosóficos e jurídicos que acarretaram a consolidação do regime nacional-socialista e a forma que tratava o direito nacional naquele período.

Primeiramente, considera-se que o século XIX se notabilizou em ser o século das promessas não cumpridas, onde não se teve êxito em firmarem-se as democracias, nem mesmo se efetivou à maioria os direitos liberais também prometidos pela Revolução Francesa, de forma que o Estado nacional, com seu sistema de classes, entrou em crise.

 

Os inúmeros regimes anteriores à Segunda Guerra Mundial, tal como o nacional-socialismo, o fascismo e o marxismo, foram regimes que, particularmente, questionavam a lógica do sistema e os ideais liberais e, ainda, tentavam dar outra resposta ao Estado-Nacional em crise, inclusive no que se refere ao sistema jurídico estabelecido na época.

Já, no início do século XX em bora parte da Europa encontrava-se sob a jurisdição de regimes antidemocráticos. E, foi neste contexto que ascendeu ao poder na Alemanha o regime nazista[3] que somou seus ideais racistas e nacionalistas com o apoio incondicional da imensa maioria da população e dos juristas, dando legitimidade ao regime e possibilitando que a violência tomasse as proporções que tomou.

E, tal regime galgou o poder, erguendo duas bandeiras, o racismo, onde excluía parte da população o direito de pertencer à raça humana, ligado ao nacionalismo e a ideia de unificação de uma raça superior.

Aliás, o nacionalismo adotado no nazismo trazia como um fundamento a unificação de um povo[4] pelo idioma comum, sob o argumento de que se tratava de uma etnia superior às demais, sob a qual havia uma escolha divina, sendo seu destino dominar a humanidade.

Resta evidente que a decadência de prestígio do Estado-Nação, acompanhada da decadência do sistema partidário após a Primeira Guerra Mundial, aliado as instabilidades econômicas, possibilitaram o afloramento de políticas autoritárias em vários cantos das Europa, sendo benéfico em especial ao regime nazista.

Outro elemento caracterizador do regime nacional-socialista é o racismo, levado às proporções nunca vistas, especialmente, no que se refere ao ódio judeu. E, nesse período, no mundo todo haviam surgidos partidos políticos com ideais antissemitas tinham como principal argumento o fato de que os judeus constituíram um grupo alheio à sociedade, o que até era verdade, e que tinham grandes ambições políticas, o que não era verdade, os judeus sempre se mantiveram distantes da política de forma que lhes foi possível associar-se com o Estado constituído nas mais diferentes formas políticas.

As teorias traziam sua ambição de dominar o mundo, sua responsabilidade por guerras e, mais, todo tipo de argumento absurdo. E, assim, a classe média e inferiores, principais atingidas pela crise econômica vivida no período, passam ser fortemente antissemitas.

Os judeus, desde a idade média nunca conseguiram se assimilar a sociedade em geral, permanecendo sempre como um corpo separado da sociedade, ora como privilegiados ora como superprivilegiados, mas nunca como igual, formando assim, especialmente após a Revolução Francesa, um elemento intereuropeu em um mundo estruturado em estados-nacionais. Neste período, com a consolidação da política imperialista, inicia-se o declínio judeu com a perda de seu papel de financiador do Estado e por consequência da sua influência.

No entanto, foi na Alemanha que ganhou maiores proporções, quando se associou o antissemitismo ao nacionalismo, dentro de regime totalitário, que tornaram capazes a execução do Holocausto.

Apenas as raças superprivilegiadas faziam parte do povo, sendo que quem não fazia parte do povo, as minorias tais como os judeus, ciganos, homossexuais, portadores de deficiências etc., ou quem ao regime se opunha por questões ideológicas, deveriam ser descartados.

O derradeiro elemento do rol dos quais se possibilitou a ascensão ao poder do regime nacional-socialista e a consolidação de suas atrocidades foi a adoção de política autoritária totalitarista. Afinal, o totalitarismo corresponde ao domínio total de todos os setores da sociedade, com o fito de organização das massas, esse regime, não tolera outros partidos nem oposição, integra o exército ao governo e o governo ao partido. E, através dessa unidade através de massivas propagandas que espalharam o terror e usou mentiras utilitárias e ilógicas para disseminar o medo e transformar a opinião pública em unanimidade.

Utilizou ainda o sentimento de inferioridade e a insatisfação das massas para achar-lhes culpados, com fatos fictícios, dando a estas questões[5] mirabolantes com soluções infalíveis e milagrosas.

Assim, criaram-se as condições artificiais de guerra civil, quando então, proporcionaram sentimento que pode fornecer segurança às pessoas, no entanto, ao chegar ao poder mantém esse ambiente de terror por meio das investigações, da polícia secreta e de organismo que dos mais variados modos aterrorizam a vida das pessoas.

 

Ao extremo ponto chegou-se como forma de concretizar o que se obteve o domínio total, tanto que se criaram-se os campos de extermínio e, a exterminação em massa, apenas para comprovar cabalmente todo seu poder.

Portanto, acrescentando-se as condições políticas de crise de forma de organização da sociedade europeia naquele momento histórico, o antigo racismo foi direcionado à comunidade judaica, com um regime totalitário fundado no terror e na ideia de uma nação que tinha por dever dominar as demais nações inferiores, consolidou-se em um dos mais absurdos acontecimentos da história da humanidade, o holocausto.

A propósito, foi a partir da ideia darwinista de evolução das espécies, aproveitado o antigo ódio contra os judeus, surgem algumas teorias, estas sem nenhum caráter científico, que buscavam explicar a superioridade e inferioridade de algumas raças.

Essas teorias forma alargamento das utilizadas por Hitler frente à população para embasar suas atrocidades quanto aos demais povos.

O holocausto[6] resultou na morte de quatro milhões e meio a seis milhões de pessoas e chegando ao assassinato de seis a doze mil pessoas ao dia, isso fora dos campos de batalhas, fazendo necessário a formação de nova categoria que caracterizasse tais crimes, cria-se assim, o conceito de genocídio.

A fórmula que resultou no Holocausto é advinda da associação entre racismo, nacionalismo, autoritarismo totalitário que unidos formavam a essência ideológica do regime nacional-socialista.

O holocausto teve amparo legal, sendo que a maioria das atrocidades positivadas pelas Leis de Nuremberg[7], foi então que se questionou como os juristas alemães permitiram tais práticas?

Quando se cogita no Direito durante o regime nacional-socialista, sendo comum deparar-se com acusações em relação ao positivismo jurídico que ganharam expressão, especialmente, com Gustav Radbruch, principalmente no que se refere aos seus dogmas de obediência absoluta à lei e sua desvinculação de valores em relação à aplicação[8] da norma jurídica.

E, assim, torna-se relevante o estudo do ambiente jurídico que a Alemanha viveu durante muitos anos que antecederam a ascensão do nazismo. No século XIX, o mundo jurídico estava dominado pelo positivismo normativo e sua lógica sistemática.

Tal corrente doutrinária defendia direito embasado unicamente na lei, com um ordenamento jurídico completo e coerente, sem interferências morais e ideológicas na sua aplicação, teve como seu principal teorizador Hans Kelsen, especialmente, em sua obra Teoria Pura do Direito.

A definição fornecida pelo Ministro do STF Luís Roberto Barroso (2015) o positivismo jurídico aplica os fundamentos do positivismo filosófico no mundo do direito, na pretensão de criar uma ciência jurídica, com características análogas às ciências exatas e naturais. A busca de objetividade científica, com ênfase na realidade observável e não na especulação filosófica, apartou o Direito da moral e dos valores transcendentes.

Direito é norma, ato emanado do Estado com caráter imperativo e força coativa. A ciência do Direito, como todas as demais, deve-se fundar em juízo de fato, que visam o conhecimento da realidade, e não em juízos de valor, que representam uma tomada de posição diante da realidade.

Percebe-se que o positivismo jurídico tem como pressuposto a aproximação absoluta entre o direito e a norma, na afirmação de um direito exclusivamente estatal, justificado em sua forma, onde se qualificam as normas em decorrência de sua validade e, não de seu conteúdo.

Idealizando, ipso facto, o direito como ordenamento jurídico sistemático completo e coerente, onde jaz conceitos e instrumentos suficientes para a resolução de todos os conflitos possíveis, não havendo desse modo lacunas nem contradições.

Desta forma, o direito é lei e ao julgador resta o simples papel de aplicação da norma ao caso concreto, o que deve fazer por meio da subsunção entre fato e norma, onde  apenas verifica se a conduta do agente é compatível com a descrita pela norma jurídica, aplicando ou não as consequências trazidas pela mesma.

Sendo absolutamente impedido utilizar ou fazer qualquer relação aos valores morais durante aplicação da norma jurídica. Bobbio, aliás, descreveu o positivismo jurídico através de sete elementos ou características fundamentais, que juntas resumem todos os postulados positivistas, que são: o direito abordado de forma avalorativa, isto é, como um fato e não como um valor, de onde se extraí a teoria da validade do direito ou a teoria do formalismo jurídico; a definição do direito em razão do elemento da coação,

que fundamenta a teoria da coatividade do Direito, onde as normas se fazem valer por meio da força; o direito como fonte preeminente a lei; a teoria da norma jurídica que aborda a norma jurídica como um comando, levando a teoria imperativista do direito; o direito concebido dentro de um ordenamento jurídico, elaborado como conjunto de normas coerentes e completas entre si: direito lido pelo método da ciência jurídica que determina que seja interpretado de forma mecânica; e, por fim, a teoria da obediência, que se refere mais ao positivismo ético que ao positivismo jurídico.

Entretanto, conforme já afirmado, com a crise do Estado-Nação, de diversas partes do globo surgiram movimentos que questionavam a lógica do sistema implantado, como o socialismo e autoritarismo. Assim, na esfera jurídica igualmente passaram a surgir movimentos que questionavam a lógica positivista, que findaram por serem denominadas de correntes doutrinárias irracionalistas ou antirracionalistas.

Foi, especialmente na Alemanha, onde surgiram duas escolas doutrinárias assistemáticas, chamadas de movimento do Direito livre e de Jurisprudência dos interesses. E, tais correntes, do fim do século XIX, iniciando como uma única corrente de pensamento que em 1905 se dividiu em dois setores, ambas se exauriram nos anos imediatamente anteriores a segunda grande guerra.

Losano comentou que: " De fato, ambos eram caracterizados pela crítica contra o monopólio do Estado na produção do direito e pela convicção de que o juiz desenvolvia uma atividade criadora do direito, podemos considerar que ambas as escolas tinham objetos e objetivos muito similar e que a jurisprudência dos interesses seria então, a ala mais moderada do movimento do Direito Livre[9].

Esse movimento também conhecido como jusliberalismo e teve seu clímax nos anos de 1905 a 1914, sua consolidação e declínio ocorreu exatamente entre a primeira guerra mundial e a ascensão do nacional socialismo em 1933, tendo força na Áustria e Alemanha.

O movimento sempre relacionado à esquerda, era nascido para combater um sistema, buscando dar-lhe flexibilidade, defendendo, sobretudo, um papel de criação do Direito por parte dos juízes, entendendo que o juiz ao proferir sua sentença tem poder de decidir prater e contra legem, ainda que com algumas ressalvas em relação a este último.

Já para a jurisprudência dos interesses[10], o juiz teria positivamente uma função criativa de adaptação da realidade, porém, não considerava possível o julgamento contra legem, que foi o grande motivo da cisão entre as duas escolas.

Basicamente, a jurisprudência dos interesses defendida que todo o caso era um conflito de interesses e que não seria possível ao legislador prever todos os conflitos, de modo que sempre existirá lacuna, cabendo ao juiz preenchê-las, remetendo as soluções dadas em casos concretos análogos de onde seria possível extrair-lhes valores orientadores a todos os casos concretos possíveis.

No entanto, não se remete a analogia pura e simples, mas sim, aos certos valores inerentes ao sistema jurídico, assim, trata-se de nova forma de enxergar o sistema. E, com o advento da República de Weimar em 1919, a falta de ordem política, a grande desvalorização monetária, os danos de guerra, desemprego etc., tornaram a interpretação de acordo com os critérios da Escola da Exegese[11] insuficientes para resolver os novos conflitos surgidos, de forma que se passa a utilizar na Alemanha os preceitos do movimento do Direito livre, permanecendo assim, até o início do regime nacional-socialista.

Assim, as ideias jusliberalistas foram sendo readaptadas pelo movimento nacional-socialista e acabaram desse modo, favorecendo o desvio da administração da justiça a serviço do totalitarismo. E, assim, o regime não construiu relevantes teorizações no campo do direito, pois o enxergava como um obstáculo, o qual era obrigado a suportar.

O movimento nacional-socialista declarava-se antipositivista por duas razões essenciais: a primeira era porque considerava as leis como um empecilho à tomada do poder e posteriormente para o seu exercício e, também, porque o principal teórico do positivismo jurídico era Hans Kelsen, um judeu, de forma que não ressoava bem ao movimento apoiá-lo.

Apesar das muitas acusações feitas a respeito, a maior evidencia de que nacional-socialismo nunca foi positivista é que nunca se preocupou em fazer uma reforma legislativa efetiva, nem mesmo a Constituição de Weimar foi revogada, ainda que efetivamente houvesse entrado em desuso.

Desta forma, criou-se uma “nova” forma de "ler o direito", adaptado de teorias jusliberalistas, principalmente, da Jurisprudência dos Interesses, onde se desvincula o juiz da lei e, o subjuga à ideologia do partido no poder, de forma que todas as leis contrárias ao regime não precisam ser revogadas ou modificadas, pois o juiz sempre lhe dará interpretação segundo os ideais nazistas, podendo até ser contra legem.

Losano comentou que os juízes se viam, assim, na situação de atuar com dois tipos de normas jurídicas. As emanadas pelo regime nacionalista deviam ser rigorosamente aplicadas, quase retornando ao tão criticado positivismo jurídico. mas, era só uma aparência, uma vez que também delas devia desviar assim que a razão política o exigisse.

As normas anteriores ao nazismo, ao invés, deviam ser aplicadas de modo frequentemente contrário à sua própria letra, corrigindo-as com recurso ao "pensamento por ordenamentos jurídicos concretos" e ao "bem comum, à boa-fé, ao são sentimentos populares e à vontade do Führer. O direito perdia então qualquer certeza.

A situação jurídica ficou a seguinte, em relação às leis anteriores ao regime, que não haviam sido revogadas, os juízes negavam-lhes aplicação e aplicavam os ideais do movimento livremente, quanto às leis posteriores, tendiam a aplicá-las seguindo a lógica mais positivista possível, só se afastando quando ao regime fosse conveniente.

Primeiro, destruíram a sistematicidade do Direito revogando-lhe as leis gerais e implantando a interpretação[12] segundo os princípios[13] orientadores, posteriormente, chegaram a substituir a justiça estatal, quando, por fim, em 1944, revogaram formalmente o princípio da legalidade, consolidando-se o denominado duplo-Estado.

Hannah Arendt comentou que o totalitarismo nos coloca diante de uma forma totalmente nova de governo. É verdade que desafia todas as leis positivas, mesmo ao ponto de desafiar aquelas que ele mesmo estabeleceu (...) ou que não se deu ao trabalho de abolir (Constituir de Weimar). Mas, não opera sem a opinião de uma lei, nem é arbitrário, pois afirma obedecer rigorosa e acreditamos serem a origem de todas as leis. A afirmação monstruosa, no entanto, aparentemente irrespondível do governo totalitário é que, longe de ser "ilegal", recorre à fonte de autoridade da qual as leis positivista recebem sua legitimidade final; que longe de ser longe de ser arbitrário, é mais obediente a essas forças sobre-humanas que qualquer governo jamais foi; e que, longe de exercer o seu poder no interesse de um só homem, esta perfeitamente disposto a sacrificar os interesses vitais e imediatos de todos à execução do que supõe ser a lei da História ou a lei da Natureza.

O seu desafio às leis positivas pretende ser uma fonte superior de legitimidade que, por inspirar-se nas próprias fontes, pode dispensar a legalidade menores. A legalidade totalitarista pretende haver encontrado um meio de estabelecer a lei da justiça na terra - algo que a legalidade da lei positiva certamente nunca pôde conseguir.

Para tanto, bastava-lhes uma classe de juízes condescendentes, que interpretassem de forma nova as leis anteriores ao regime, o que não foi difícil, tendo em vista que a maior parte dos juízes era de época anterior à República de Weimar e jamais haviam concordado com seus ideais, de modo que antes mesmo da ascensão do nazismo já não aplicavam de forma rigorosa as leis republicanas. Estes juízes viram no nacional-socialismo uma forma mais concentrada e firme de governo, de modo que o apoiaram.

Assim, ao regime bastou-lhes retirar de cena os poucos juízes contrários à sua ideologia.

Esses juristas contribuíram ao regime principalmente confeccionando um elenco de princípios[14] a serem seguidos, que em suma eram o racismo e o totalitarismo, sendo seus principais nomes Karl Larenz e Carl Schimt[15].

O direito, assim, possuía caráter puramente instrumental, que deveria garantir o exercício do regime no poder sob qualquer aspecto, não sendo conveniente a eles formar uma lógica sistemática legal, pois a lógica irracional do direito implantado casava bem com a irracionalidade do Regime.

A política totalitária não substituiu um conjunto de leis por outro, não estabelece seu próprio consensus iuris,  não cria, através de uma revolução uma nova forma de legalidade. O seu desafio a todas as leis positivas, inclusive às que ele mesmo formula, implica na crença que pode dispensar a qualquer consensus iuris e, ainda assim,

não resvalar para o Estado tirânico da ilegalidade, da arbitrariedade e do medo. Pode dispensar o consenso iuris porque promete libertar o cumprimento da lei de todo ato ou desejo humano: e promete a justiça na terra porque afirma tornar a humanidade a encarnação da lei.

Conclui-se que nos anos que precederam a ascensão do regime nacional-socialista e em especial durante o regime, a teoria jurídica alemã não se desenvolveu com base em preceitos positivistas, aplicando-se, neste período, um regime jurídico diferenciado.

A acusação feita ao positivismo jurídico, vinda especialmente de Gustav Radbruch, de que seria o responsável pelas atrocidades cometidas durante o regime Nacional-Socialista, não se sustenta, tendo em vista que o positivismo jurídico não foi a corrente doutrinária jurídica aplicada durante os anos de domínio nazista e não era aplicado com rigor nem mesmo nos anos que antecederam a ascensão do regime.

Mas então se pergunta qual o motivo dessa acusação e porque foi dada tanta importância a ela?  Obviamente que após a queda do nazismo e a abertura ao mundo de todas as atrocidades cometidas durante o regime, foi inevitável que se fizessem questionamentos de como foi possível que todos tivessem apoiado o nazismo e, principalmente, como os juristas, que pela lógica deveriam ter sido os maiores opositores a revogação do Estado de Direito, foram levados a legitimar o regime chancelar suas crueldades.

Primeiras respostas vieram em 1946, quando Gustav Radbruch[16] colocou a culpa no positivismo jurídico, como Losano (2010, p.235) explica: Segundo a tese de Radbruch, os juristas alemães aceitaram de bom grado as leis iníquas dos nacionais-socialistas porque o positivismo jurídico os habituara a não colocar em discussão o direito positivo.

Este último, era direito por ser estatuído pela autoridade que tinha força para aplicá-lo. Assim como nos soldados havia sido inculcado o princípio de que ordens não se discutem, mas se aplicam (Gesetz ist Gesetz). Concluía Radbruch: “o positivismo jurídico, com seu princípio de que „lei é lei‟, tornou os juristas alemães inertes contra leis de conteúdo arbitrário.

A referida teoria pareceu legitimar-se, quando, nos julgamentos de Nuremberg, vários comandantes nazistas levantaram a tese de defesa de que haviam cometidos "atos de Estado" decorrentes de sua obediência às leis e a ordens superiores, não podendo ser responsabilizados, argumento que não foi aceito, mas que deu força a ideia de cumprimento de dever legal.

Essa tese, de fato, não tem fundamento, pois os juristas alemães não giram pela lógica puramente positivista desde o advento da República de Weimar, quando se negaram a aplicar direito progressista.

Durante todo o regime nacional-socialista quando não foram chamados a atuar como positivistas, pelo contrário, foram orientados a interpretar as leis e, em alguns casos, até mesmo afastar a aplicação da s leis contrárias ao regime, todas as leis deveriam ser aplicadas segundo os valores do regime político.

Apesar de a tese ser errônea, esta fora convenientemente acolhida pelos juristas alemães, especialmente, os comprometidos com o regime, que viram nesta uma explicação para os atos cometidos durante o regime, o que por consequência apagou quase vinte anos a oportunidade de profunda análise sobre o tema.

E, dessa forma, restou comprometida qualquer argumentação quanto à responsabilidade direta do positivismo no surgimento do regime nacional-socialista e seus atos cruéis.

Destaque-se que desde o advento da República de Weimar, os julgadores já não aplicavam o direito sobre a lógica positivista, não dando efetividade às normas progressistas republicanas embasados nos fundamentos de correntes doutrinárias chamadas de jurisprudência dos interesses e de movimento de Direito Livre.

Enfim, quando o regime nazista chegou ao poder na Alemanha, apenas adaptou a lógica da jurisprudência dos interesses, criando o paradigma de que todas as normas jurídicas deviam ser aplicadas à luz dos ideais do partido político e, não mais do interesse.

Mantendo-se, desse modo, o direito nos anos de regime nazista, bem distante da lógica positivista.  É uma erronia acusar o positivismo e apontar sua responsabilidade quanto o nacional-socialismo, mostrando-se infundadas as demais imputações.

Já em referência ao jusnaturalismo moderno, cabe sublinhar que essa teoria do direito surgiu, principalmente, diante do advento do Estado Moderno, época na qual havia sensível centralidade do poder nas mãos do soberano.

E, a existência de um direito natural, o qual na Idade Média, influenciado pelas ideias de Santo Agostinho[17], era reconhecido como decorrente de força sobrehumana, sofreu grande modificação, para fim de retirar do Direito a influência teológica e reconhecê-lo como decorrente da razão humana.

Com a laicização da cultura, o jusnaturalismo moderno impôs que a verdade das ciências estava confiada à razão matemática e geométrica, a reta razão servindo como guia das ações humanas.

Com os pensamentos de grandes teóricos como Hugo Grotius, Samuel Pufendorf e John Locke há uma mudança de centro com relação às épocas anteriores, a Ciência Jurídica deixando de estar ligada a concepções mítico-religiosas, para buscar seu fundamento último na razão humana.

Frisa-se o pensamento de Grotius[18], cujas ideias inclusive serviram de inspiração à criação do Direito Internacional. Segundo o teórico, a validade da norma não é condicionada à lei divina, como defendido anteriormente, mas sim à concordância necessária entre a norma e a natureza racional e social, somente sendo concebido como justo aquilo que se encontra em concordância com referida natureza.

O referido doutrinador defendia que o Direito Natural devia ser reputado como um mandamento da reta razão, que indica a necessidade moral inerente a uma ação qualquer, mediante o acordo ou o desacordo desta com a natureza racional (GROTIUS, 2004).

Também se destaca o pensamento de John Locke, segundo o qual convivem, simultaneamente, um Estado Civil e um Estado da Natureza, neste sendo apreendidos os direitos naturais, os quais para o autor não são inatos, mas de fácil apreensão pela razão, e aquele sendo criado pelo homem justamente para evitar o desrespeito e para assegurar a proteção daqueles direitos.

O pós-positivismo ao conferir normatividade aos princípios e defender a reinserção de valores morais no âmbito do direito, serviu de embasamento jusfilosófico para o neoconstitucionalismo. E, ao identificar a influência do neopositivismo nesse movimento do constitucionalismo contemporâneo, foram analisadas através das teorias que serviram de base à formação do pós-positivismo (jusnaturalismo e juspositivismo) e as principais ideias lançadas por importantes neopositivistas tais como Dworkin[19] e Alexy.

Com o término da Segunda Guerra Mundial, notou-se no âmbito da teoria do direito o surgimento de uma nova corrente do pensamento contemporâneo, esta denominada de pós-positivismo, para enfrentar as atrocidades cometidas durante a guerra, que foram justificadas pela estrita aplicação da legalidade, afastada de aspectos morais, conforme preconizado pela doutrina positivista predominante à época. E, tal corrente de pensamento, surgiu para superar os valores consagrados pelo positivismo jurídico, visando reintroduzir no campo do direito, os valores morais e conferir maior importância aos princípios[20], conforme era defendido à época do jusnaturalismo moderno.

Simultaneamente ao advento do neopositivismo, identifica-se, no âmbito do direito constitucional, o surgimento de um novo paradigma de interpretação constitucional, o neoconstitucionalismo, o qual, utilizando-se das ideias defendidas por teóricos pós-positivistas, consagra a introdução de aspectos materiais nas Constituições nacionais, conferindo aos princípios e valores morais maior relevância no ordenamento jurídico.

Assim, o neoconstitucionalismo veio definir novos delineamentos do direito constitucional contemporâneo, modificando a concepção de interpretação do direito ao introduzir aspectos materiais em âmbito constitucional e consagrar a superioridade da Constituição.

 Ante a importância de se compreender referido movimento constitucional, torna-se necessário um estudo acerca das ideias que possibilitaram seu surgimento, para que seja possível identificar em qual sentido tais pensamentos pós-positivistas exercem as influências nas Constituições contemporâneas, o pós-positivismo constituindo então o pressuposto filosófico do neoconstitucionalismo.

O novo positivismo adveio o da superação histórica do jusnaturalismo aliado ao fracasso político do positivismo o que deu azo ao amplo conjunto de reflexões sobre o Direito, sua função social e sua interpretação. Indo além da legalidade estrita, não se despreza o direito posto, mas procura-se empreender leitura moral do Direito e, recorrer fatalmente às categorias metafísicas.

Então, o pós-positivismo procura nova roupagem ao jusnaturalismo e juspositivismo, em que o comando normativo não mais prepondera dissociado de conteúdo moral externo.

Destaca-se. . o pensamento de John Locke, segundo o qual convivem, simultaneamente, um Estado Civil e um Estado da Natureza, neste sendo apreendidos os

direitos naturais, os quais para o doutrinador não são inatos, mas de fácil apreensão pela razão, e aquele sendo criado pelo homem justamente para evitar o desrespeito e para assegurar a proteção daqueles direitos.

Apesar de cada teórico possuir uma interpretação própria acerca do direito natural, todos defendiam um ponto em comum, ou seja, o fato de o direito natural ser um ditame da reta razão, estritamente ligada aos valores morais. Não havia separação, para os autores do período, entre o Direito Natural e o Direito Moral, apenas sendo válido o direito diretamente derivado da observância da moralidade humana.

Contudo, tais valores, isto é, os princípios morais apenas eram previstos de forma abstrata, a sua normatividade sendo basicamente nula, apenas havendo o reconhecimento de sua dimensão ético-valorativa. O jusnaturalismo moderno, assim, ao aproximar a lei da razão, e pressupor a existência de princípios de justiça universalmente válidos, transformou-se na filosofia natural do Direito, constituindo o combustível das revoluções liberais que culminaram com a elaboração das Constituições escritas e as codificações.

As referidas revoluções e também os movimentos constitucionais que atendiam aos reclames da sociedade por uma limitação do poder concentrado e ilimitado do soberano, acabaram por conferir uma grande importância à lei escrita, criando meios para o surgimento do pensamento positivista.

Assim, valores morais e princípios não positivados no ordenamento jurídico foram relegados a um segundo plano, as normas de conduta ficando adstritas ao estabelecido na lei.

A partir do juspositivismo, os princípios passam a possuir uma natureza meramente supletiva ou interpretativa, não sendo mais reputados, segundo defendido pelos jusnaturalistas, como valores superiores ou anteriores à lei. Segundo essa nova corrente de pensamento, os princípios podem ser inferidos do próprio sistema, seu valor derivando das próprias leis.

O positivismo jurídico, modernamente, originou-se dos pensamentos de Augusto Comte[21], este considerado por muitos como o fundador do positivismo jurídico, tendo em Hans Kelsen e em Herbert Hart seu apogeu.

Assim, para Kelsen(1998), haveria uma separação entre o direito e a moral, o estudo do Direito devendo ser desprovido de valores, a moral devendo ser tida como extrínseca ao ordenamento jurídico. Como esclarece o teórico:

Se supusermos que Direito é, por sua essência, moral (tem caráter moral),então não faz qualquer sentido a exigência – feita sob o pressuposto da  existência de um valor moral absoluto – de que o Direito deve ser moral [...]

A exigência de uma separação entre Direito e Moral, Direito e Justiça, significa que a validade de uma ordem jurídica positiva é independente desta Moral Absoluta, única válida, da Moral por excelência, de a Moral (Kelsen,1998)

Desta feita, uma ordem jurídica, mesmo que contrariasse alguns alicerces morais, seria válida: o Direito pode ou não ser moral, entretanto, o fato de este não ser justo, não retira a validade de determinado sistema jurídico (Kelsen, 1998).

Desse modo, são apenas as leis postas que devem ser observadas na aplicação do Direito, podendo-se afirmar que a justiçar estaria configurada na própria aplicação da lei, cabendo ao operador do direito aferir tão-somente a validade formal da norma e não a justiça de sua aplicação.

Do mesmo modo, de grande relevância é a teoria formulada por Hart, o qual, assim como Kelsen, propõe em sua obra “The concept of Law”, a separação entre o Direito Moral e faz considerações, em especial, acerca dos critérios de validade da norma no ordenamento jurídico.

Em sua descrição do sistema jurídico, Hart trata da questão da validade das normas de ordenamento jurídico, reconhecendo a existência de uma regra de reconhecimento como fundamento último e critério supremo de validade de todas as demais normas jurídicas.

Em sua teoria, mesmo quando não há nenhuma regra que regula o caso, o juiz continua ater o dever, mesmo nos casos difíceis, de descobrir quais são os direitos das partes, e não inventar novos direitos retroativamente.

Nesse sentido, devem os juízes buscar uma decisão, para o caso concreto, em princípios, estes tidos como de observância obrigatória na teoria Dworkin. Assim, não haveria criação do direito pelo juiz no exercício de seu poder discricionário, já que este não possui competência para tanto, havendo apenas a descoberta por ele de qual o direito (os princípios) que deve ser utilizado no caso concreto.

Desta feita, o autor passa a reinserir os princípios como normas jurídicas vinculantes, asseverando que estes devem ser tratados da mesma maneira que as regras, sendo eles, portanto, integrantes do direito e possuindo obrigatoriedade de lei.

Reconhece-se, pois, a possibilidade de tanto uma constelação de princípios como uma regra positivamente imposta estabelecer uma obrigação legal.

Em sentido contrário, as regras devem ser aplicadas “à maneira tudo ou nada”(Dworkin, 2002). Quando um fato se subsume à regra, ela deve ser aplicada; caso contrário, não gera qualquer efeito, não contribuindo para a decisão. Assim, caso as duas regras entrarem em conflito, uma delas não pode ser regra válida.

A decisão acerca de qual será válida qual deverá ser abandonada ou reformada fica sujeita a considerações exteriores às próprias regras (Dworkin, 2002).

Verifica-se que, para Dworkin (2002), a moralidade encontra-se evidente no direito, ante o fato de os princípios possuírem força normativa. O princípio, para ou autor, é um padrão que deve ser observado porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma

outra dimensão de moralidade.

Enfim, para o doutrinador, afirmar que uma regra é válida significa que esta satisfaz todos os requisitos previstos pela regra de reconhecimento. É esta regra de reconhecimento, portanto, que estabelece os critérios através dos quais a validade das demais regras do sistema são avaliadas, estas apenas necessitando satisfazer tais requisitos para serem reputadas como válidas no ordenamento jurídico.

No que se refere à relação do direito com a moral, Hart, indo além de teorias juspositivista que o precederam, assumem a existência de uma relação inerente entre direito e moral, esclarecendo que a moral tem moldado o desenvolvimento do direito.

O doutrinador inclusive implantou a ideia do "conteúdo mínimo do direito natural", que correspondente aos princípios de conduta reconhecidos universalmente e exigíveis para a viabilidade de qualquer organização social. (Hart, 1996).

Ressalte-se que a posição originalmente adotada pelo doutrinador fora revista, tendo Hart aceitando, após as críticas apontadas por Dworkin, a possibilidade de a regra de reconhecimento adotar algum aspecto material e moral, para evitar incorreções.

A constatação de que o desenvolvimento do direito foi influenciado pela moral, não nos permite concluir que o sistema jurídico, segundo as ideias defendidas por Hart, necessariamente deve se adequar a essa moral ou à justiça.

Os critérios de validade jurídica de leis concretas de um sistema jurídico, pois, não necessariamente devem, na concepção de Hart, incluir uma referência à moral ou à justiça.

Constata-se que, em todas as concepções positivistas do ordenamento jurídico a questão central gira em torno da segurança jurídica da aplicação da norma jurídica, enquanto o ponto relativo à justiça de aplicação de norma restringe-se a seu aspecto formal, isto é, a sua validade formal.

Do mesmo modo, para os positivistas, ao contrário do estabelecido pelo jusnaturalistas, a moralidade é extrínseca ao direito, ao aplicador do direito não competindo a análise da justiça de uma norma.

Entretanto, ocorre, que ao equiparar o Direito à lei e afastá-lo das concepções de justiça, o positivismo serviu de norte ao cometimento de barbáries e crueldades em meados do século XX, o que levou à decadência da corrente juspositivista. Sua decadência é emblematicamente relacionada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha, nos quais foram promovidas barbáries sob a proteção da legalidade.

Desse modo, ao final da Segunda Guerra Mundial, a ética e os valores começam a retornar ao Direito, levando ao surgimento de uma nova corrente de pensamento, qual seja, o pós-positivismo[22], a qual, como destacado no início deste trabalho, se apresenta como uma confluência do jusnaturalismo e juspositivismo, retratando valores defendidos por ambas as correntes.

Como destaca Faralli (2006), a partir da queda da distinção entre direito e moral, a qual prevalecia durante o positivismo jurídico “abre-se um novo caminho para uma filosofia do direito normativa, empenhada em questões de grande repercussão política e moral, em estreita conexão com a filosofia política e a filosofia moral”.

Relevante modificação no tocante à doutrina anterior (positivismo) se dá com relação ao valor dos princípios. A partir dos pós-positivismo, as novas Constituições dos Estados passam a aceitar a hegemonia axiológica dos princípios, estes sendo considerados de fundamental importâncias nos novos sistemas constitucionais.

Desse modo, com o neopositivismo, os valores passam a permear o sistema tanto no momento da confecção da norma como durante a aplicação da mesma, legitimando-se a utilização de parâmetros de justiça e equidade para a resolução dos casos submetidos à apreciação do aplicador do direito, ante a abertura valorativa do sistema jurídico.

Passa-se, portanto, à utilização tanto de aspectos do jusnaturalismo, por se defender uma aproximação do direito com a moral (o que não era reconhecido pelos positivistas), quanto de aspectos do juspositivismo, ao se pressupor a normatividade dos princípios e, consequentemente, dos valores morais (ao contrário do estabelecido no jusnaturalismo, no qual os princípios apenas eram previstos de forma abstrata).

Como principais teóricos desse novo movimento, temos Ronald Dworkin (Taking rights seriously, 1977), John Rawls (A theory of justice, 1980), Gustavo Zagrebelsky (El derecho dúctil, 1992) e Robert Alexy (Teoria de los derechos fundamentales, 1985). Destaca-se que apesar de cada teórico possuir uma concepção própria acerca do direito e da relação desse coma moral, suas ideias não se inserindo em um movimento unitário, é possível identificar características comuns entre suas ideias, sobretudo ante o fato de que “relativizam a separação entre o Direito e a Moral, admitindo critérios materiais de validade das normas”.

Cumpre salientar que a abertura do debate jusfilosófico contemporâneo aos valores ético-políticos teve como um de seus resultados o surgimento do neoconstitucionalismo.

A identificação do constitucionalismo como teoria específica do direito e sua distinção do positivismo jurídico foi proposta por Robert Alexy (1993), o qual se inspirou  nas ideias de Ronald Dworkin (1977) (Faralli, 2006).

O novo constitucionalismo surgiu contemporaneamente às críticas de Dworkin ao positivismo da década de 1960. O doutrinador  faz um ataque geral ao positivismo, como ele mesmo afirma em sua obra, utilizando-se da versão de Hart como alvo.

Ao questionar a tese hartiana da separação entre direito e moral, defende não ser possível diminuir os ordenamentos jurídicos a meras estruturas normativas, estabelecendo que, ao lado das regras, existam os princípios, os quais transcendem o direito estatuído.

Ressalta o teórico que o positivismo jurídico fracassou, essencialmente, em razão de os teóricos ignorarem o fato crucial de que os problemas da teoria do direito são, na realidade, problemas relativos a princípios morais e não a estratégias ou fatos jurídicos.

Desse modo, defende que para qualquer teoria ser bem sucedida, deve-se trazer à luz tais problemas e enfrentá-los como problemas de teoria moral (Dworkin, 2002).

Ao contrário do pensamento positivista, Dworkin (2002) assevera que no caso de os juízes se depararem com os chamados “casos difíceis”, ou seja, aqueles casos em que os juristas não encontram no ordenamento jurídico posto qualquer regra que poderia ser aplicada, não se deve conferir a eles um poder discricionário para decidirem o caso como bem entenderem, legislando novos direitos jurídicos e aplicando-os retroativamente.

Dessa forma, na teoria de Dworkin, a normatividade dos princípios aparece como condição de existência da normatividade do ordenamento jurídico como um todo, representando a dimensão moral da evolução do direito.

Do mesmo modo, Robert Alexy, em sua obra “Teoria dos Direitos Fundamentais[23]”, bem como em livros posteriores, como o “Conceito e a Validade do Direito”, também defendeu a normatividade dos princípios, bem como a conexão conceitual e normativamente necessariamente o direito e a moral.

Alexy, aprimorando a teoria de Dworkin, procura fazer uma distinção entre princípios e regras, identificando aqueles como uma espécie normativa qualitativamente distinta das regras. Apesar de utilizar-se das ideias de Dworkin para a formulação de sua própria teoria, entretanto, aduz que referido autor não chegou ao núcleo da distinção entre regras e princípios, núcleo este que consiste no fato de os princípios deverem ser vistos como mandados de otimização, que significa que “son normas que ordenan que algo sea realizado en una medida lo mayor posible dentro del marco de las posibilidades fácticas e jurídicas” parte do pressuposto, portanto, de que entre os princípios e regras não há tão somente uma distinção de grau, mas também de qualidade.

Essa distinção entre regras e princípios constitui a base do argumento de Alexy em favor da instituição de um constitucionalismo moderado, em que tanto as regras quanto os princípios são normas de observância obrigatória.

Segundo o autor, os princípios, mais genéricos e abstratos, podem ser definidos como “preceitos de otimização”, ou seja, como diretrizes realizáveis apenas em parte e em medida variável, que não prescrevem condutas específicas, mas remetem a valores que deverão ser efetivados na maior medida possível (Alexy, 2008).

Dessa forma, podem ser cumpridos em diferentes graus, exigindo-se a aplicação da técnica da ponderação para sua adequada aplicação.

As regras, por sua vez, “são normas que são sempre satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos”(Alexy, 2008).

Ou seja, se ocorre a subsunção do fato à regra, seus efeitos devem ser produzidos exatamente como determinado na própria regra, devendo esta ser aplicada integralmente.

Onde a distinção entre regras e princípios desponta com mais nitidez é ao redor da colisão de princípios e do conflito de regras. Havendo conflito de regras, este apenas pode ser resolvido se houver uma cláusula de exceção que remova o conflito ou se uma das regras for declarada nula. Já no caso de colisão de princípios, a situação é totalmente diferente.

Nesse caso, a colisão ocorre se algo é vedado por um princípio, mas permitido por outro, hipótese em que um dos princípios deve recuar. Isto, porém, não significa que o princípio do qual se abdica seja declarado nulo, nem que uma cláusula de exceção nele se introduza. O que vai determinar qual o princípio que deve ceder serão as circunstâncias do caso (Alexy, 2008).

Assim, um princípio cede ao outro em determinadas circunstâncias e, em situações distintas, a questão da prevalência se pode resolver de forma contrária. Com isso, se quer dizer que os princípios têm um peso diferente nos casos concretos, e que o princípio de maior peso é o que prepondera.

Nesse sentido é que se indica que os princípios instituem obrigações primafacie, já que podem eles ser superados, ou terem reduzido seu âmbito de abrangência em face da colisão com outro princípio no caso concreto.

Dessa forma, verifica-se que os conflitos de regras se desenrolam na dimensão de validade, ao passo que a colisão de princípios transcorre fora dessa dimensão de validade e dentro da dimensão do peso, ou seja, do seu valor.

As ideias de Dworkin e Alexy mostram-se relevantes ao se propor, por meio da distinção entre princípios e regras, ambas de caráter normativo, uma reviravolta em relação ao positivismo, que passa a considerar a presença dos princípios no processo de aplicação e interpretação do direito[24].

Desse modo, ao inserir os princípios como valores fundamentais no direito, reaproximando o direito da moral, os pensamentos pós-positivistas, acabaram por servir de embasamento jusfilosófico para um movimento no âmbito do Direito Constitucional que se desenvolvia concomitantemente ao surgimento dos pensamentos pós-positivistas, qual seja, neoconstitucionalismo.

 

Referências

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[1] Para Radbruch, “ordens são ordens, é a lei do soldado”. A afirmação, tomada isoladamente, justificaria a posição dos alemães julgados em Nuremberg, e de todos os que foram posteriormente processados, inclusive entre os próprios alemães e no que se refere às próprias consciências. Além do que, continua, “a lei é a lei, diz o jurista”. Explicando o tempo que a Alemanha acabava de viver, isto é, os anos do nacional-socialismo, afirmou que “ao passo que para o soldado a obrigação e o dever de obediência cessam quando ele souber que a ordem recebida visa a prática dum crime, o jurista, desde que há cerca de cem anos desapareceram os últimos jusnaturalistas, não conhece exceções deste gênero à validade das leis nem ao preceito de obediência que os cidadãos lhes devem”.  Concluiu esse primeiro minuto culpando o positivismo pelo pesadelo nazista, do ponto de vista jurídico: “Esta concepção de lei e sua validade, a que chamamos Positivismo, foi a que deixou sem defesa o povo e os juristas contra as leis mais arbitrárias, mais cruéis e mais criminosas. Torna equivalentes, em última análise, o direito e a força, levando a crer que só onde estiver a segunda estará também o primeiro”.

[2] A norma jurídica não se confunde com o texto da norma, mas reflete os sentidos decorrentes da interpretação de seu texto. Normas são “os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos” . Os dispositivos normativos (texto) são o objeto da interpretação, enquanto a norma é o seu resultado. Em suma, o texto da norma não se confunde com a própria norma, a qual surge com a interpretação. A norma jurídica se extrai, pois, do processo interpretativo.

[3]  É o posicionamento de Arthur Kaufmann apud Juan António García Amado (1991), para quem o positivismo jurídico, sob o nazismo, foi um “positivismo legalista pervertido’, que exigia obediência das leis do nazismo, mas que se transformava em jusnaturalismo ao afirmar a superioridade do ordenamento nazista sobre a lei liberal-democrática”.

[4] Thomas Mann chegou em certa passagem a afirmar que, em sua essência, as premissas do nacional-socialismo já estavam arraigadas no povo alemão. In litteris: “Admito que isso que se chama de nacional-socialismo tem raízes profundas na vida alemã. É a forma virulenta de degeneração de ideias que sempre trouxeram em si o germe da corrupção assassina, ideias de modo algum alheias à boa e velha Alemanha da cultura e da formação. Aí elas viviam nobremente, chamavam-se “romantismo” e deixaram o mundo fascinado. Pode-se muito bem dizer que elas decaíram, que estavam destinadas a decair, visto que foram desembocar num Hitler. Somadas à incrível adaptação da Alemanha à idade da técnica, elas formam hoje uma mistura explosiva que ameaça toda a civilização. Sim, a história do nacionalismo e do racismo alemão que resultou no nacional-socialismo é longa e terrível; ela vem de longe, é interessante no início e se torna cada vez mais vulgar e abominável. Mas confundir essa história com a própria história do espírito alemão e amalgamá-las numa só é pessimismo crasso e seria um erro perigoso para a paz."

[5] Em verdade, muitos critérios foram apresentados para responder as questões difíceis tais como a tese da única decisão correta de Dworkin a tese de Alexy que engloba a otimização (princípios como mandamentos de otimização a serem realizados na maior medida possível), compatibilizada com a lei da colisão e com os critérios de ponderação como uma pretensão de correção do direito. Ademais a hegemonia da maioria dominante, não é mais admissível numa sociedade pluralista.

[6] Em sua obra intitulada "Modernidade e holocausto" que foi ganhadora do Prêmio Amalfi (1989), concedido ao melhor livro de sociologia publicado na Europa naquele ano, Bauman contextualiza, com grande acuidade o holocausto. Abordou o papel que nele desempenha a burocracia moderna alemã, fato que Thomas Mann como se dessume do trecho citado, denomina de "idade da técnica".

[7] Em relação às leis de Nuremberg, em nome da lei o direito foi utilizado para a realização de barbáries e atrocidades. O mundo não mais aceitava o império de uma lei tirânica. Alguns parâmetros morais de justiça precisavam ingressar no direito, visto que somente os critérios formais de validade não eram suficientes. Com isso, surge o movimento de aproximação do Direito com a moral, o pós-positivismo.

[8] A afirmação de Habermas de que a aplicação dos princípios é uma “qualificação orientada por finalidades”, o que retiraria força dos direitos fundamentais diante da escolha dessas finalidades, é respondida por Alexy (2008b) em seu posfácio escrito em 2002. Segundo essa resposta, sua teoria se sustenta não por encontrar a resposta racional em todos os casos, o que é possível, mas diante da racionalidade encontrada no conjunto dos casos, o que “é interessante o suficiente para justificar o sopesamento como método”.

[9] Movimento do Direito Livre, iniciado ao final do século XIX, foi uma reação às correntes positivistas legalistas levadas ao exagero. Desta feita, esse movimento denunciava a existência de um direito independente da origem estatal, chamado de Direito Livre, bem como a falibilidade da lei como fonte única de direito. Atenção: direito livre também é o nome utilizado para o movimento associado a Hermann Kantorowicz e à Escola de Direito Livre.

[10] A jurisprudência dos interesses foi a segunda subcorrente do positivismo jurídico, segundo a qual a norma escrita deve refletir interesses, quando de sua interpretação. Seu principal representante foi Philipp Heck. Os seus partidários são aqueles que têm como autênticos os elementos da lei. Acima da vontade do legislador existem os interesses que motivaram esta mesma vontade, sendo que é muito mais importante a procura de tais interesses do que ela. A interpretação do Direito se faz procurando determinar historicamente quais foram os interesses que causaram a lei. Esta Escola, entretanto, admite o legislador escolher entre os vários interesses em jogo.

[11] As principais características da Escola da Exegese eram: a inversão das relações tradicionais entre direito natural e direito positivo, a onipotência do legislador, a interpretação da lei fundada na intenção do legislador, o culto ao texto da lei e o respeito pelo princípio da autoridade. A escola da Exegese foi criticada por vários autores, entre eles: François Gény, Rudolf von Ihering, Eugen Ehrlich etc. Em geral, as críticas se fundamentavam em torno do fetichismo da lei e da forma literal como se interpretava o Direito. A Escola da exegese, também conhecida como Escola filológica, foi uma das primeiras correntes de pensamento juspositivista, florescendo na França de inícios do século XIX, a partir do advento do Código Napoleônico, tendo, entretanto, ultrapassado as fronteiras do seu país de origem, disseminando-se por toda a Europa.

[12] É a interpretação realizada pelos aplicadores do direito, mais precisamente pela Corte Constitucional, que delimita a amplitude dos direitos constitucionais. O processo de interpretação é, pois, indispensável à aferição do conteúdo exato da própria Constituição.

[13] Os princípios são pautas abertas oxigenadoras do sistema com valores, mas não quaisquer deles, somente os mais relevantes para toda a sociedade. São o pilar central do ordenamento jurídico e, por isso, possuem forte presença no corpo das Constituições contemporâneas.

[14]  Há ainda que se destacar que os princípios se propõem a uma abertura da Constituição (e do direito) aos valores sociais, permitindo a oxigenação do sistema.  Canotilho (2003)ainda assevera que a Constituição convive com um sistema interno de regras e princípios, em que os princípios estruturantes contêm as diretivas básicas da ordem constitucional, seguidos dos princípios constitucionais gerais e dos princípios constitucionais específicos e das regras constitucionais.

[15] Em janeiro de 1933, um dia após a nomeação de Hitler para o cargo de chanceler da República de Weimar, na Alemanha, Carl Schmitt deu uma entrevista no rádio para Veit Rosskopf, na qual disse: “Eu sou um teórico”, e complementou: “um puro acadêmico e nada mais que um acadêmico”. Também em 1933, após uma série de expurgos realizados por Hitler em universidades alemãs, Schmitt se filiaria ao Partido nazista e se tornaria professor da Universidade de Berlim, em substituição a Hermann Heller, cargo que ocupou até o término da Segunda Guerra Mundial. No mesmo ano, Schmitt foi nomeado Conselheiro de Estado para a Prússia e se tornou presidente da União de Juristas Nacional-Socialistas.

[16] Gustav Radbruch invoca um direito supralegal, protestando por princípios fundamentais que orientam o direito e que transcenderiam o direito positivo, retomando um jusnaturalismo que também nominou de jusracionalismo. A guinada de Radbruch para o jusnaturalismo, para alguns uma correção de rota, e para outros a continuidade de uma linha conceitual que se aperfeiçoava e qualificava, é sintoma muito nítido de que a apologia ao jusnaturalismo é recorrente em instantes que sucedem a ditaduras, o que poderia identificar no neoconstitucionalismo um roteiro histórico parecido, a exemplo de sua ressonância em países como Espanha, Portugal, Itália, Argentina, Colômbia e, principalmente, no Brasil.

[17] No que tange às leis, Agostinho as divide em: Lei eterna: Direito natural. Em um primeiro momento, o homem não possui acesso à essa lei, por ser cometedor do pecado original. Entretanto, o homem pode ter acesso ao direito natural através da fé (usando do livre-arbítrio para olhar para si próprio). Santo Agostinho (354-430), via o direito natural como imutável. Tinha como base o princípio das leis, das normatividades criadas e comandadas pelo “poder” divino (Deus). A filosofia agostiniana identifica-se com três tipos de leis: Lei eterna, Lei natural e Lei positiva. A Lei eterna pode ser vista como a razão divina, a vontade do criador do universo sendo responsável por guardar a ordem natural. A lei natural, localiza-se na razão do ser humano que possui a capacidade de escolha ( livre arbítrio), estando inscrita em seu coração, que segue o princípio de não fazer aos outros o que não queremos que seja feito a nós mesmos (Máxima cristã). Por último, a lei positiva, criada pelo legislador, pelos homens e possui fundamento na lei natural, lembrando que todas essas seguem o princípio da lei eterna.

[18] No Mare Liberum (1609)8 Grotius defende o direito de todas as nações usufruírem dos mares e rotas comerciais. O contexto apresentado nessa obra é a disputa que envolve as Províncias Unidas (atual Países Baixos) e a União Ibérica acerca dos usos dos mares e o direito de navegação e comercialização. Nesse cenário, vemos a UniãoIbérica9, formada por Portugal e Espanha, alegar ter exclusividade sobre esses direitos e considerado ilegal que outros povos façam o mesmo. Com o Tratado de Tordesilhas, em 1494, e postumamente com a união das duas coroas, todas as terras e mares do mundo conhecido a época pertenciam a União Ibérica.

[19] O positivismo, nas palavras de Dworkin (2002), pode ser resumido em três preceitos-chave: (a) acreditar o direito como “um conjunto de regras especiais utilizado direta ou indiretamente pela comunidade com o propósito de determinar qual o comportamento será punido ou coagido pelo poder público”, regras essas que são aferidas quanto a sua validade (pedigree); (b) caso não se encontre uma solução dentro do direito (conjunto de regras) para uma determinado fato, o aplicador da norma deve ir “além do direito na busca de algum outro tipo de padrão que o oriente na confecção de nova regra jurídica ou na complementação de uma regra jurídica já existente”; e (c) dizer que “alguém tem uma ‘obrigação jurídica’ é dizer que seu caso se enquadra em uma regra jurídica válida que exige que ele faça ou se abstenha de fazer alguma coisa. (...) Na ausência de tal regra jurídica válida não existe obrigação jurídica”.

[20] As definições do conteúdo de princípios constitucionais como da dignidade da pessoa humana (art. 1º , III, CF), do solidarismo social (art. 1º , II, CF), da eficiência (art. 37, CF), entre outros, são exemplos de participação ativa da doutrina e, sobretudo, do aplicador do direito na formulação do exato conteúdo da norma. A sede constitucional dos princípios não impede, contudo, que eles existam fora da Constituição. Há princípios jurídicos, com força normativa, nos vários microssistemas de direito público e privado, os quais são específicos a cada um deles. Inserem-se nos códigos gerais ou nas normas específicas. Mas regulam situações restritas, específicas de cada um deles, como no direito tributário, administrativo, empresarial etc.

[21] Modernamente, o positivismo foi centrado nas ideias de Augusto Comte e tem em Kelsen e, posteriormente, em Hart seu apogeu. Comte, considerado por alguns, como o fundador do positivismo, abandona a busca de causas religiosas para centrar seu pensamento na busca empírica nos próprios fenômenos observáveis, propondo a “separação entre Igreja e Estado”. O ponto central de sua obra é a tentativa de separar a religião de aspectos racionais.

[22] O termo "pós-positivismo" ou não positivismo foi introduzido no Brasil por Paulo Bonavides em 1995,

na quinta edição de seu Curso de Direito Constitucional. E, defende a ideia de que há ou deve haver um relacionamento entre o direito e a justiça (moral).

[23] Direitos fundamentais são aqueles inerentes à proteção do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Elencados na Constituição Federal, possuem a mesma finalidade que os direitos humanos. A diferença se dá no plano em que são instituídos: se os direitos declaram, as garantias fundamentais asseguram. Assim, os direitos fundamentais são inalienáveis do contrato social feito entre o indivíduo e o Estado, uma vez que a aplicação dos direitos fundamentais do cidadão brasileiro não pode ser ignorada pelo Poder Estatal.

[24] O positivismo não mais foi capaz de construir uma resposta lógica para as questões jurídicas contemporâneas, principalmente as mais complexas ou difíceis. A justiça, em muitos momentos esquecida, não mais pode ser deixada para segundo plano. A sociedade exigiu a compatibilização da segurança jurídica (ponto forte do positivismo jurídico) com a justiça (ponto de busca incessante do pós-positivismo, sem o esquecimento daquela).